
Quando muito, só por um beijo
Acostumamos com a ideia de que há décadas atrás o mundo era mais conservador, que as diferenças não eram toleradas, que o núcleo familiar era o alicerce para o cumprimento exato do papel do homem e da mulher na sociedade. Verdade.
Mas... isso mudou muito de lá para cá? O filme The Kiss, dirigido por Joffre Faria Silva, traz em sua sutileza histórica uma questão ainda tão presente em nossos dias. A pressão social que impede as pessoas de serem quem desejam ser. A escola, como instituição nascida para ser base civilizatória e a reprodutora dos “bons costumes”, evidentemente, censura qualquer atitude que saia das regras que a sociedade espera que você siga.
O ritmo compassado do filme, sua fotografia elegante e sua trilha envolvente embalam a discussão diante do incidente grave que envolve Paul (Victor Gilbert), o filho de Mrs. Tancredi (Barbara de la Fuente, que também assina o roteiro). Mrs. Williams, a diretora da escola (Denise DeSanctis), Mr. Baker, o professor de Paul (David Emanuel), e Mrs. Tancredi talvez pudessem pensar ou agir diferente... Não, não poderiam; eles sabem que suas ações devem corresponder ao reflexo de uma moral social. E aí reside a escolha perfeita da época em que o filme se passa, os anos 1950, quando as escolas tiveram um papel fundamental para a constituição dessa moral.
O clima do filme cria um sentimento dúbio, mostrando o exagero de um simples beijo ser tratado com tanta gravidade. Sabemos o porquê. Sabemos o que isso significava para a época. Mas o público que assiste ao filme está aqui hoje, mais de 60 anos adiante, e entende também o absurdo da situação. Bem, talvez não. Ainda discutimos hoje sobre banheiros com gênero neutro nas escolas, ainda discutimos roupas “apropriadas”, e ainda discutimos sobre beijos entre meninos nas escolas. Talvez o mundo não tenha mesmo mudado tanto.
É interessante notar como, no filme, todos sabem que precisam aceitar a situação imposta, mas, ao mesmo tempo, cada um encontra um modo de mitigar tal imposição. Aí reside a força de resistência do filme. Por trás da formação conservadora de todos há o aspecto humano, há uma camada mais tênue, e não menos complexa, que vai de encontro às regras estabelecidas. Bettina (Savannah Burton) mostra que é possível resistir ao conservadorismo, que é possível que o pequeno Paul possa, algum dia, fazer suas escolhas.
Sim, todos sabiam que não fora apenas um beijo.
Alexandre Dias Ramos
[English version]
Acostumamos com a ideia de que há décadas atrás o mundo era mais conservador, que as diferenças não eram toleradas, que o núcleo familiar era o alicerce para o cumprimento exato do papel do homem e da mulher na sociedade. Verdade.
Mas... isso mudou muito de lá para cá? O filme The Kiss, dirigido por Joffre Faria Silva, traz em sua sutileza histórica uma questão ainda tão presente em nossos dias. A pressão social que impede as pessoas de serem quem desejam ser. A escola, como instituição nascida para ser base civilizatória e a reprodutora dos “bons costumes”, evidentemente, censura qualquer atitude que saia das regras que a sociedade espera que você siga.
O ritmo compassado do filme, sua fotografia elegante e sua trilha envolvente embalam a discussão diante do incidente grave que envolve Paul (Victor Gilbert), o filho de Mrs. Tancredi (Barbara de la Fuente, que também assina o roteiro). Mrs. Williams, a diretora da escola (Denise DeSanctis), Mr. Baker, o professor de Paul (David Emanuel), e Mrs. Tancredi talvez pudessem pensar ou agir diferente... Não, não poderiam; eles sabem que suas ações devem corresponder ao reflexo de uma moral social. E aí reside a escolha perfeita da época em que o filme se passa, os anos 1950, quando as escolas tiveram um papel fundamental para a constituição dessa moral.
O clima do filme cria um sentimento dúbio, mostrando o exagero de um simples beijo ser tratado com tanta gravidade. Sabemos o porquê. Sabemos o que isso significava para a época. Mas o público que assiste ao filme está aqui hoje, mais de 60 anos adiante, e entende também o absurdo da situação. Bem, talvez não. Ainda discutimos hoje sobre banheiros com gênero neutro nas escolas, ainda discutimos roupas “apropriadas”, e ainda discutimos sobre beijos entre meninos nas escolas. Talvez o mundo não tenha mesmo mudado tanto.
É interessante notar como, no filme, todos sabem que precisam aceitar a situação imposta, mas, ao mesmo tempo, cada um encontra um modo de mitigar tal imposição. Aí reside a força de resistência do filme. Por trás da formação conservadora de todos há o aspecto humano, há uma camada mais tênue, e não menos complexa, que vai de encontro às regras estabelecidas. Bettina (Savannah Burton) mostra que é possível resistir ao conservadorismo, que é possível que o pequeno Paul possa, algum dia, fazer suas escolhas.
Sim, todos sabiam que não fora apenas um beijo.
Alexandre Dias Ramos
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