Alguma dúvida sobre The Power Plant: a exposição de Julia Dault
Os critérios de escolha que uma instituição de arte faz para programar suas exposições são, algumas vezes, difíceis de compreender. Sabemos quanta subjetividade pode estar envolvida mesmo nos critérios mais técnicos. O fato é que, seja lá como for, o público tem acesso a essas exposições escolhidas – para bem e para mal.
A exposição Color Me Badd, da artista canadense Julia Dault, no The Power Plant em Toronto, de 20 de setembro a 4 de janeiro de 2015, nos faz realmente questionar os critérios dessa importante instituição, não apenas pela baixa qualidade da mostra, mas também pela infeliz junção com a exposição ao lado, do artista português Pedro Cabrita Reis. Em primeiro lugar, ainda que sejam salas e artistas diferentes em exposições diferentes, para uma galeria que não é muito grande, seria importante realizar exposições que se relacionassem entre si minimamente, seja do ponto de vista conceitual, seja do ponto de vista pedagógico. Desta forma, o público certamente se conectaria melhor com o conjunto mostrado e poderia estabelecer reflexões criativas, questionamentos transversais ou experimentar percepções complementares. Quando se tem, ao contrário, diferenças muito grandes entre propostas e, principalmente, qualidade artística, acredito que seja mais difícil para o público compreender e distinguir a potencialidade de cada exposição.
Julia Dault mostra pinturas que beiram a inocência, em tentativas amadoras de colorir superfícies, produzir simplórios efeitos ópticos, variações de formas e texturas, sem qualquer sentido aparente. Digo “aparente” porque certamente ela tem alguma intenção, certamente acredita estar falando sobre alguma coisa... Mas a “coisa” não está lá. Vemos uma pintura mais amarela, a outra mais verde, uma com texturas assim outra assado, sem que algum discurso relevante seja produzido. Aparentemente não há reflexão, mas apenas cores pintadas de maneira tecnicamente ruim, sem o conhecimento do que a cor, a própria pintura ou o suporte representam hoje, após séculos e séculos de produção e pesquisa. Não se vê qualquer tipo de relação entre as obras, não é possível entender o motivo para o tamanho (acadêmico) daquelas telas e nem mesmo a importância que é dada a um vocabulário formal tão pobre. Esse “vocabulário”, aliás, é mostrado numa enorme parede, que ocupa duas salas, com cada uma das formas enquadrada numa espécie de tabela. Esse papel de parede parece ter sido feito apenas para conseguir preencher o grande espaço da galeria, sem que a própria parede pudesse, além de estética, falar por si como obra, ou ao menos realmente potencializar a poética das pinturas expostas.
No centro da primeira sala há um “banco”, feito de fórmica. Ele imita um mármore e, como se já não tivéssemos desarranjos suficientes, não se relaciona com nenhuma das obras, e nem mesmo tem sua própria autonomia (talvez apenas como banco). Na segunda sala há, além de pinturas e a continuação do papel de parede, duas esculturas feitas também de fórmica. Então talvez pudéssemos ver uma relação com o banco da sala anterior (será que ele também era uma escultura?), mas o formato e textura das esculturas em nada se relacionam com o tal banco. Essas esculturas, ao que parece, falam sobre cor, superfície e espaço a partir de planos. Há também uma referência industrial na escolha do material e no modo com que são estruturadas. Novamente, essas peças não dialogam com as outras obras e seus pretensos discursos não estão bem solucionados. Poderíamos aceitar esse tipo de exposição de alunos de segundo ano de faculdade, mas não de uma artista reconhecida, e menos ainda dentro do The Power Plant.
Retomando rapidamente a questão das outras exposições mostradas no mesmo momento, no corredor ao lado temos uma obra de Shelagh Keeley (que não cabe aqui analisar) e logo em seguida há a instalação de Pedro Cabrita Reis que tem uma força e potência que destroem por completo o trabalho de Julia Dault. A discrepância conceitual é muito grande e fica difícil para o público entender o porquê de uma e de outra. No fim das contas, é como se uma exposição anulasse a outra. Aceitar, por exemplo, as pinturas de Cabrita Reis, expostas no segundo andar, é afirmar que as pinturas de Dault são apenas decoração de loja de móveis; por outro lado, aceitar as pinturas de Dault é afirmar que os quadros de Cabrita Reis não dizem nada (o que certamente não é verdade).
Para as obras de Pedro Cabrita Reis, valeria uma reflexão com longas páginas. No entanto, meu foco permanece na exposição Color Me Badd para poder chamar atenção ao fato de que as escolhas técnicas e/ou subjetivas de uma instituição de arte podem chegar, ao mesmo tempo, em duas exposições com qualidades muito distintas. Os caminhos que levaram Dault à essa exposição foram trilhados muito antes, ao longo de anos e de inúmeros aceites em outras instituições. De qualquer maneira, perde o The Power Plant, em credibilidade, e perde o público, em não poder ver no mesmo local algum outro artista muito melhor.
Alexandre Dias Ramos
Os critérios de escolha que uma instituição de arte faz para programar suas exposições são, algumas vezes, difíceis de compreender. Sabemos quanta subjetividade pode estar envolvida mesmo nos critérios mais técnicos. O fato é que, seja lá como for, o público tem acesso a essas exposições escolhidas – para bem e para mal.
A exposição Color Me Badd, da artista canadense Julia Dault, no The Power Plant em Toronto, de 20 de setembro a 4 de janeiro de 2015, nos faz realmente questionar os critérios dessa importante instituição, não apenas pela baixa qualidade da mostra, mas também pela infeliz junção com a exposição ao lado, do artista português Pedro Cabrita Reis. Em primeiro lugar, ainda que sejam salas e artistas diferentes em exposições diferentes, para uma galeria que não é muito grande, seria importante realizar exposições que se relacionassem entre si minimamente, seja do ponto de vista conceitual, seja do ponto de vista pedagógico. Desta forma, o público certamente se conectaria melhor com o conjunto mostrado e poderia estabelecer reflexões criativas, questionamentos transversais ou experimentar percepções complementares. Quando se tem, ao contrário, diferenças muito grandes entre propostas e, principalmente, qualidade artística, acredito que seja mais difícil para o público compreender e distinguir a potencialidade de cada exposição.
Julia Dault mostra pinturas que beiram a inocência, em tentativas amadoras de colorir superfícies, produzir simplórios efeitos ópticos, variações de formas e texturas, sem qualquer sentido aparente. Digo “aparente” porque certamente ela tem alguma intenção, certamente acredita estar falando sobre alguma coisa... Mas a “coisa” não está lá. Vemos uma pintura mais amarela, a outra mais verde, uma com texturas assim outra assado, sem que algum discurso relevante seja produzido. Aparentemente não há reflexão, mas apenas cores pintadas de maneira tecnicamente ruim, sem o conhecimento do que a cor, a própria pintura ou o suporte representam hoje, após séculos e séculos de produção e pesquisa. Não se vê qualquer tipo de relação entre as obras, não é possível entender o motivo para o tamanho (acadêmico) daquelas telas e nem mesmo a importância que é dada a um vocabulário formal tão pobre. Esse “vocabulário”, aliás, é mostrado numa enorme parede, que ocupa duas salas, com cada uma das formas enquadrada numa espécie de tabela. Esse papel de parede parece ter sido feito apenas para conseguir preencher o grande espaço da galeria, sem que a própria parede pudesse, além de estética, falar por si como obra, ou ao menos realmente potencializar a poética das pinturas expostas.
No centro da primeira sala há um “banco”, feito de fórmica. Ele imita um mármore e, como se já não tivéssemos desarranjos suficientes, não se relaciona com nenhuma das obras, e nem mesmo tem sua própria autonomia (talvez apenas como banco). Na segunda sala há, além de pinturas e a continuação do papel de parede, duas esculturas feitas também de fórmica. Então talvez pudéssemos ver uma relação com o banco da sala anterior (será que ele também era uma escultura?), mas o formato e textura das esculturas em nada se relacionam com o tal banco. Essas esculturas, ao que parece, falam sobre cor, superfície e espaço a partir de planos. Há também uma referência industrial na escolha do material e no modo com que são estruturadas. Novamente, essas peças não dialogam com as outras obras e seus pretensos discursos não estão bem solucionados. Poderíamos aceitar esse tipo de exposição de alunos de segundo ano de faculdade, mas não de uma artista reconhecida, e menos ainda dentro do The Power Plant.
Retomando rapidamente a questão das outras exposições mostradas no mesmo momento, no corredor ao lado temos uma obra de Shelagh Keeley (que não cabe aqui analisar) e logo em seguida há a instalação de Pedro Cabrita Reis que tem uma força e potência que destroem por completo o trabalho de Julia Dault. A discrepância conceitual é muito grande e fica difícil para o público entender o porquê de uma e de outra. No fim das contas, é como se uma exposição anulasse a outra. Aceitar, por exemplo, as pinturas de Cabrita Reis, expostas no segundo andar, é afirmar que as pinturas de Dault são apenas decoração de loja de móveis; por outro lado, aceitar as pinturas de Dault é afirmar que os quadros de Cabrita Reis não dizem nada (o que certamente não é verdade).
Para as obras de Pedro Cabrita Reis, valeria uma reflexão com longas páginas. No entanto, meu foco permanece na exposição Color Me Badd para poder chamar atenção ao fato de que as escolhas técnicas e/ou subjetivas de uma instituição de arte podem chegar, ao mesmo tempo, em duas exposições com qualidades muito distintas. Os caminhos que levaram Dault à essa exposição foram trilhados muito antes, ao longo de anos e de inúmeros aceites em outras instituições. De qualquer maneira, perde o The Power Plant, em credibilidade, e perde o público, em não poder ver no mesmo local algum outro artista muito melhor.
Alexandre Dias Ramos