
“Cut and Fried” - Um filme sem receita
Quando pensamos num filme de terror ou suspense, geralmente temos em mente alguns efeitos técnicos mais exagerados, uma fotografia densa e uma música impactante. O modo de montar o filme também deve contribuir para a dinâmica das cenas. Mas e quando se faz tudo isso ao contrário?
O filme “Cut and Fried”, dirigido por Mark Datuin, traz algumas novas possibilidades para pensar o gênero suspense: não há efeitos especiais, o cenário é econômico, a fotografia é clara, a música é soft (quase zen) e a câmera trabalha com planos fixos, a exemplo de excelentes filmes chineses contemporâneos, ou mesmo do filme japonês "Maborosi", dirigido por Hirokazu Koreeda. Os planos não centralizados trazem uma estranheza ao ambiente que em muito contribuem para a situação adversa do enredo. Tudo parece um pouco real e ao mesmo tempo fake.
A escolha por uma cinematografia mais seca dá destaque para o extenso diálogo entre Maria (Barbara de la Fuente) e Fofo (Michael Gordin Shore), que aliás estão ótimos em seus papéis e com facilidade protagonizam uma discussão completamente maluca. Barbara faz a louca psicótica parecer normal, e Michael faz da naturalidade de sua fala um absurdo completo. Logo vemos que se trata de uma comédia, toda sustentada pelo texto (escrito por Barbara e Mark), pelas cobranças de um relacionamento mais ou menos equivocado, pelas lembranças de um amor e ódio compartilhados por desarranjos que justificam, em parte, o assassinato ali ocorrido. Então um ajuda o outro a pensar o melhor modo de sumir com o cadáver, e assim a relação entre ambos também se modifica. Eles aceitam a morte, eles aceitam que se odeiam e, mais importante, aceitam que se amam.
O ritmo do diálogo não bate com o ritmo da trilha sonora e, mais uma vez, quase temos uma sensação de erro, mas é estranheza mesmo. Terminei de ver o filme com a opinião de que se ele fosse alguns minutos mais curto, e a trilha mais ativa, poderia dar uma dinâmica mais forte à narrativa. Por outro lado, a espera que o espectador precisa enfrentar, junto com o casal que precisa de algum tempo para resolver seus problemas, traz uma persistência (e resistência) parecida com a câmera que se nega a acompanhar os atores da maneira esperada. Os elementos fílmicos, separados, parecem trabalhar contra o próprio filme; juntos, trabalham na verdade a seu favor. Se a ideia foi cortar e fritar sem receita, deu certo: a composição final é boa, divertida e bem escrita. Gostei.
Alexandre Dias Ramos
Quando pensamos num filme de terror ou suspense, geralmente temos em mente alguns efeitos técnicos mais exagerados, uma fotografia densa e uma música impactante. O modo de montar o filme também deve contribuir para a dinâmica das cenas. Mas e quando se faz tudo isso ao contrário?
O filme “Cut and Fried”, dirigido por Mark Datuin, traz algumas novas possibilidades para pensar o gênero suspense: não há efeitos especiais, o cenário é econômico, a fotografia é clara, a música é soft (quase zen) e a câmera trabalha com planos fixos, a exemplo de excelentes filmes chineses contemporâneos, ou mesmo do filme japonês "Maborosi", dirigido por Hirokazu Koreeda. Os planos não centralizados trazem uma estranheza ao ambiente que em muito contribuem para a situação adversa do enredo. Tudo parece um pouco real e ao mesmo tempo fake.
A escolha por uma cinematografia mais seca dá destaque para o extenso diálogo entre Maria (Barbara de la Fuente) e Fofo (Michael Gordin Shore), que aliás estão ótimos em seus papéis e com facilidade protagonizam uma discussão completamente maluca. Barbara faz a louca psicótica parecer normal, e Michael faz da naturalidade de sua fala um absurdo completo. Logo vemos que se trata de uma comédia, toda sustentada pelo texto (escrito por Barbara e Mark), pelas cobranças de um relacionamento mais ou menos equivocado, pelas lembranças de um amor e ódio compartilhados por desarranjos que justificam, em parte, o assassinato ali ocorrido. Então um ajuda o outro a pensar o melhor modo de sumir com o cadáver, e assim a relação entre ambos também se modifica. Eles aceitam a morte, eles aceitam que se odeiam e, mais importante, aceitam que se amam.
O ritmo do diálogo não bate com o ritmo da trilha sonora e, mais uma vez, quase temos uma sensação de erro, mas é estranheza mesmo. Terminei de ver o filme com a opinião de que se ele fosse alguns minutos mais curto, e a trilha mais ativa, poderia dar uma dinâmica mais forte à narrativa. Por outro lado, a espera que o espectador precisa enfrentar, junto com o casal que precisa de algum tempo para resolver seus problemas, traz uma persistência (e resistência) parecida com a câmera que se nega a acompanhar os atores da maneira esperada. Os elementos fílmicos, separados, parecem trabalhar contra o próprio filme; juntos, trabalham na verdade a seu favor. Se a ideia foi cortar e fritar sem receita, deu certo: a composição final é boa, divertida e bem escrita. Gostei.
Alexandre Dias Ramos